No feminino, Dia internacional da Mulher

Uma partilha de um episódio da minha vida, vivido.

Hoje celebra-se o dia internacional da mulher, e eu, pertencendo a esse gênero, gostaria de ter umas ligeiras palavras a dizer. Pensamento, experiência e deixar um pouco no ar uma reflexão, talvez.

Conto um episódio do meu passado, olhando superficialmente e profundamente.

Por volta dos meus 19 anos tentava entender a vida e o que faria sentido para mim, se calhar na altura não tinha esta percepção, diria que experienciava e não conseguia retirar, as ditas aprendizagens, que só com um olhar mais distante viria a ter. 

Nessa altura, encontrava-me na fase das experiências amorosas entre outras descobertas, mas este relato vai de acordo com essa ideia. Escusado será dizer que na sociedade em que nos encontramos/encontravamos(?), uma mulher que fosse vista na procura de seu parceiro – procurando determinadas características – era mal vista. Claro que era mal vista, a mulher que procura namorado é uma coisa mas se fôr o homem à procura de namorada é outra. Simplificando: mulher é atiradiça, homem é conquistador.

Como é preciso reescrever esta história, porque já foi tempo em que estes tempos eram lei.

Como dizia, aos meus 19 anos, conheci um rapaz amigo de amigos de um grupo com quem eu me relacionava. Esse rapaz, tinha terminado com a sua namorada e era atormentado por ter sido ela a acabar com ele, não entendia o porquê, sentia-se triste e magoado – rejeitado.

Conforme já referi inúmeras vezes, sou boa ouvinte, não falo muito mas ouço e observo sem julgar. 

Toda a bela flor passou por um processo de plantação, com suas raízes, crescimento com suas intempéries e só aparece aos nossos olhos no seu auge de beleza. Todas as flores têm muito para contar.

Facto é, que depois de o ouvir, confesso que me comecei a aproximar dele, sentia pena, compaixão, ele era muito sensível, e eu, sensível, fiquei a ouvir os seus relatos. Tocou-me no coração.

Passado uns três meses começamos a namorar, tempo que eu achei curto demais para o “luto amoroso” que ele fazia da sua ex-namorada. Mas, já me tinha dado mais que provas que as coisas estavam ultrapassadas.

Como todos os namoros, aquela sensação de querermos estar sempre junto à pessoa, passar tempo com ela, partilhar momentos a coisa desenrolou. Primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto dia… doze horas juntos. Ora bem, eu sempre fui uma pessoa que gostava do meu espaço (ainda gosto), ora para pensar e fazer as minhas coisas, ora para dar um pouco de atenção aos meus restantes familiares e amigos – ouvi-los, conversar, debater, aprender etc…

Ao final do quinto dia, quis estar um pouco com umas amigas minhas, mulheres que falam de coisas de mulheres. Combinei um café com elas, com respeito ao meu actual namorado disse que ia ter com umas amigas e por ele tudo bem.

Cheguei ao café, sentei-me e passado meia hora recebo um telefonema, era ele, a querer saber onde eu estava e com quem estava. Na minha inocência, sem nada para esconder disse-lhe, conversamos um pouco e desligou. Continuei a falar com as minhas amigas. Qual o meu espanto quando passado dez minutos ele aparece pelo café adentro. Tudo bem, pensei, veio fazer uma surpresa. Apresentei-o e sentou-se na mesa com as restantes pessoas, que já não conversavam o que tinham para falar e eu com o tempo, acabei por me retirar.

Se este episódio tivesse sido único, estaria tudo bem.

A questão é que se repetiu inúmeras vezes, sempre que saia para estar com alguém, ele aparecia e acabava por sair com ele. Muitas vezes levava-me para os amigos dele, para as conversas dele – futebol, mulheres e vanglorização que não pertenciam ao meu leque de interesses. 

Até que houve uma altura que lhe disse, estás com os teus amigos – tudo bem. Nesses momentos eu estou com as minhas amigas – tudo bem. Temos alguns interesses diferentes, podemos estar depois juntos, mas respeitando os espaços um do outro.  

Na primeira tentativa, correu bem, apesar de receber um telefonema de uma hora, e mais duas horas de mensagens em que se não respondesse em 1 minuto ele ficava ofendido, até que consegui estar com os meus amigos. Mas tudo mudou quando sai a porta do café, ele estava à minha espera no carro, mesmo em frente ao café, onde conseguia ver tudo o que se passava lá dentro. Novamente, tudo bem, tinha-me dado espaço.

E novamente, se este episódio tivesse sido único, estaria tudo bem.

Mas não foi. Durante três semanas fui controlada, perseguida, constantemente interpolada por ele. Chegando ao ponto de cada vez que me deixava em casa, ficava a ver se eu realmente entrava em casa e quando chegava, olhava pela janela, e ele continuava à minha porta.

A gota d’água foi um dia que lhe tinha dito expressamente que ia para casa e ele através de lágrimas, vez-me novamente ter pena dele, entrou na minha casa e só saiu no dia seguinte.

O que foi acontecendo?

Eu estava a ter um relacionamento com base na pena, em que cada vez que lhe ia falar que as coisas não estavam a resultar, ele ameaçava-se matar, chorava e tocava no meu lado mais sensivel. Entretanto estava-me a anular como ser humano, as minhas restantes necessidades começavam a ser suprimidas e postas de parte em prol do bem estar dele.

O dia em que resolvi dizer basta.

Teve que ser. Apesar de me magoar em magoá-lo o controle não poderia continuar, tinha que ter o meu espaço, não poderia ser em ele procurava, não tinha o perfil dessa pessoa. Ou vivia em função da felicidade só dele ou tinha que tomar uma atitude. E tomei.

Durante quinze dias continuou-me a fazer esperas onde quer que eu estivesse, a telefonar constantemente, a cruzar comigo na rua e a querer falar e a chorar.

Enquanto isso, eu chorava sozinha, em casa, longe de tudo e todos.

Não tardou muito tempo até eu conhecer a ex-namorada dele. Aí, tomei uma atitude. O que é que aprendi com ela? Que ele tinha feito exatamente a mesma coisa que tinha feito comigo, chegando ao ponto de lhe bater numa altura, foi quando ela pôs um ponto final. Rodeou-se dos seus amigos que a levavam a casa e andavam com ela para que ela não tivesse oportunidade de cruzar com ele novamente.

Confesso, que fiquei com receio. Estava a passar pelo mesmo, mas não tinha chegado ao ponto de bater. Pus-me a pensar, se eu tivesse dado andamento a este relacionamento se as coisas não teriam tomado o mesmo rumo.

A experiência que passei foi horrenda, privou-me de liberdade como pessoa. Fiquei “rotulada” com nomes e situações muito negativas para uma mulher. Nunca me pude defender nem explicar o que tinha acontecido porque ele era visto como um rapaz popular e sabia muito bem manobrar a cabeça das pessoas.

O que aprendi com isto tudo?

Não me anular, ver bem os sinais das pessoas, que eu tenho tanto valor e sentimento como eles. Ter pena talvez não seja o melhor dos sentimentos, e às vezes é necessário aprofundar para ver o que move as pessoas. Que há pessoas que transparecem uma confiança enorme mas no fundo têm um historial oposto ao que aparentam. Que ser mulher, às vezes é difícil, mas se o sou, afirmo-me e não quero saber dos juízos de valor dos outros porque para julgar está o mundo cheio, para compreender existem poucos. Este foi só um episodio de muitos que iria viver na questão relacionada com géneros.

Não sou feminista, não é essa a ideia que quero passar com o meu texto, tenho respeito por varias causas mas não é uma abordagem nesse sentido. Se dou valor á luta por igualdades que a mulher tem vindo a ter na sociedade, dou, e muita. O texto pretendeu apenas abordar um acontecimento que se passou na minha vida. De onde adquiri muitas lições. E tenho consciência que o que se passou poderia ter sido ao contrário, mas vejamos, o pejorativo fica sempre para a mulher e não para o homem.

Imagem Claudia Soraya no Unsplash

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18 thoughts on “No feminino, Dia internacional da Mulher

    1. Infelizmente muitas mulheres ainda não têm a possibilidade de se aperceber de determinados sinais que as podem ou não levar a determinados caminhos. Não os temos que seguir, ou seguir se tiver perfil para tal. Por vezes não sabemos o que temos pela frente, é uma verdade.
      O relato que fiz hoje, retirei toda a sua ficção e preferi dizer o que aconteceu, realmente. Muitas outras coisas passamos e nessas nem conseguimos falar, aí talvez o melhor seja a ficção. Muitas vezes a ficção cobre a verdade que é muito dura de escrever para se fazer entender.
      Coincidências existem Filipa, hoje mostrei um pouco de mim, certas escolhas que fiz até “acertar”. Muitos nem escolhas têm, infelizmente.
      Um beijinho grande e fico grata pelas suas palavras, muito mesmo.

      1. Irina, você tem toda a razão! Quantas mulheres vivem uma espiral e tantas que não se separam por falta de dinheiro. Felicito-a pela sua coragem. Muitas se sentirão identificadas com o seu depoimento, tal como eu. Beijo grande.

    1. Foi sim Dulce. É preciso tentar para sabermos que rumo queremos seguir, foi caso. Aprendi muito mas uma coisa na minha vida teria que ser uma constante, o meu espaço, sempre. Errando ate que um dia, acertamos. A vida é mesmo para ser vivida. Hoje o meu relato veio na primeira pessoa, ás vezes pode ser ficcional, mas hoje foi necessário. Tanta coisa que passamos e pouco se fala.
      Um beijinho muito grande.

    1. Um relato em primeira pessoa, das poucas situações que uma mulher passa na vida. Sei que o contrário também se pode vir a passar, não é apenas uma questão de género.
      Mas a vida fez-me ver que ser mulher, é maravilhoso mas ás vezes é difícil e a vida já me pôs em situações muito difíceis. Talvez esta tenha sido a mais fácil de falar.
      Uma realidade no meio de muitas outras, em alguns casos, sem hipóteses de escolhas.
      Um beijinho Fernanda e obrigada por ler e estar presente.

    1. Hoje, relatei um pouco e um pequeno assunto, no meio de tantos outros e bem mais graves pelos quais as mulheres passam. Este, consegui falar nele. E mesmo assim sou uma sortuda porque ainda tenho possibilidade de escolha, muitas outras não têm.
      Obrigada por ler e estar presente, um abraço.

    1. Meu querido amigo, és precioso sabes? Obrigado pela segunda vez e irei te agradecer sempre a amizade e carinho que tens. Um abraço muito forte.

  1. Irina, tu relato me hace reflexionar acerca de que toda persona también tiene un lado oscuro, por más que brille a primera vista. A veces, en un estado de enamoramiento, podemos llegar a encontrarnos en situaciones inesperadamente complicadas. Y cuando “despertamos”, nos preguntamos cómo llegamos allí. Hay que confiar porque sin confianza no funciona la vida, pero también es importante ser atentas. Gracias por compartir tu experiencia. Un abrazo grande.

    1. Talvez uma jornada pela busca de confiança, respeitando os seus espaços. A confiança não é dada, é conquistada, aos poucos e poucos. Todos temos um lado mais escuro, sem duvida, aprendamos com ele e sabemos como conviver com ele. Temos que estar atentos ao que nos rodeia, aprender sinais, e estar atentas senão podemos mesmo entrar em situações complicadas. Foi um demonstrar disso mesmo. E mesmo assim, eu ainda tenho a oportunidade de escolher, muitas não.
      E esta é apenas uma situação de tantas outras que deveriam ser faladas.
      Um abraço muito forte Ana, obrigada por leres e estares presente.

  2. Querida Irina, há compreensão em mim. O amor muitas vezes se confunde com posse, controle. Se é que é amor.
    Ser feminista é exatamente o que fez: prevaleceu tua consciência; lutou contra a opressão.
    E tua história deixou marcas profundas em ti. Não à atoa, mexe com o mais profundo da gente, sentimentos vários.
    Sinta-se abraçada.

    1. Sim Léo, fico profundamente agradecida pelo seu comentário. Este, foi apenas um episódio do que passei na minha vida, um que se pode contar e que consegui entender. Como mulher, como muitas outras, passei por outros episódios que não tenho nem forças nem capacidade de os descrever. A vida ainda é muito complicada para se falar de mais outras questões e ter coragem para falar.
      Sempre fui uma pessoa que dou muito valor a todas as vidas, compreendendo experiências, todas elas têm tanto para nos ensinar e dizer sobre o que passamos e passa ao nosso redor. E sim, deixam marcas bem profundas e fazem-nos crescer com elas.
      Um abraço com muito carinho para si.

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